terça-feira, 26 de maio de 2009

Revenge.

— Senta. E escuta.
Ele acomodou-se de qualquer jeito na poltrona. Um tanto desconfortável, é verdade, mas esse detalhe não tinha a menor importância. Não naquele momento, onde nem o recanto mais aconchegante do mundo seria capaz de lhe curar a tensão. Ainda mais porque a causadora estava ali à frente. Vestindo de pedido o que, com certeza, era uma intimação. Aqueles olhos metálicos não enganavam ninguém.
— E então? — ele arriscou.
Ela caminhou até a janela. Espalmou as mãos no parapeito, sorveu o ar frio daquele fim de tarde. Deixou que o vento lhe acariciasse os cabelos, antes de virar-se e enunciar, num tom de voz indefinido:
— Você mentiu pra mim.
Ele ergueu as sobrancelhas. O mesmo discurso, novamente? Já não haviam posto tudo em pratos limpos?
— Olha, eu...
— Shhh. Ouça.
Tamborilando os dedos no parapeito da janela, ela olhava as próprias unhas, muito provavelmente sem enxergá-las.
— Você mentiu pra mim quando disse que ia passar.
— Hã?
Ela apenas fitou-o, impassivelmente, calor algum emanando de seu corpo ou de seus olhos. Fria. Ele não demorou muito a encontrar uma conclusão. Então ela... Não o esquecera! Soubera de seu recente envolvimento com outra e o queria de volta! O enlaço inesperado de seu ego forçou-lhe um sorriso nos lábios, mas ele logo o reprimiu diante do olhar cáustico de sua inquisidora. Sério novamente, ele aprumou-se, agora convicto de sua importância na vida da moça à sua frente. Não fosse seu ego tão precipitado, ele teria percebido que havia um paradoxo entre o olhar duro e as confissões que ela supostamente acabara de fazer. Mais que isso, havia uma diferença entre o ar gélido da atual e o amor acalorado da de outrora. Mas, naquele momento, o ego do rapaz fechava-lhe uma venda nos olhos.
— Olha, eu sei que o que vivemos foi bonito, mas... — começou.
— Você fez questão de enfeiar o final, não foi? — ela enunciou, sorrindo ironicamente.
— Não foi... Intencional.
— Traição? Seguida de mentira?
— Todos erram, e...
— Repetidas vezes?
Ele começava a irar-se. Já não pagara caro pelo que havia feito? Já não abrira mão daquela hábil massageadora de ego que ele tanto relutou em deixar? Gostava dela... Gostava ainda mais de si mesmo. Não era hora de pôr tudo sobre pratos limpos. Não novamente. Detestava vê-la esmiuçando todos os pecados que ele havia cometido. Amontoando-os diante dele, apenas para deixá-lo sem ação. Não tinha culpa se ela ainda o amava!
— Não posso fazer nada quanto a isso. Já pedi desculpas. Não posso voltar pra você.
— Voltar pra mim?! — ela arregalou os olhos, numa maliciosa surpresa. — Você acha que...? Acha que depois de tudo eu seria estúpida...
Ele apenas estreitou os olhos.
— Quando eu disse que não passou — ela falava devagar, imprimindo a cada palavra um tom docemente ameaçador — quis dizer... Lembra-se do que eu disse da última vez que conversamos? Que a cada vez que te via, me vinham lágrimas e eu sentia uma vontade doida de... Matar você? Você me olhou com um sorriso de quem não tem desculpas a dizer. E disse, simplesmente, "vai passar". Em parte você tinha razão. Não me vêm lágrimas aos olhos. Mas ainda sinto vontade de matar você, meu caro.
A confissão não o preocuparia tanto se os olhos dela não estivessem perigosamente vidrados, como ele nunca vira antes. Seu ego transformou o enlaço numa corda no pescoço.
— Chato, isso. Você mexer comigo dessa forma, ainda, depois de tanto tempo. Me causar tantos... Impulsos. — continuou ela, no mesmo tom adorável e horripilante.
E ela abriu uma gaveta, numa cômoda escura ao lado da janela. E dela tirou um revólver. E sorriu.
— Sábia a voz que disse "ceda a teus impulsos", meu caro.

7 comentários:

Laís disse...

txaaaahhh!
txaah txaaah!

super do mal e bem escrito como sempre ;D

=***

Anônimo disse...

Hoje, encontrei outro lado da lud escritora, vc escreve esplendorosamente e passeia levemente em todas as nuances literárias. o que mais me encante é o toque do real na história, o toque lúdico nesse vil realidade.

Mas é assim, quem pode separar cada um de si?

parabens ;*

Anônimo disse...

isso ela pega o revólver e, em vez de matar o homem, se mata pra dar um final dramático e inesperado à história =x

Rafa disse...

Muito bom, o texto, Lud, ficou diferente dos de até então... Quero ver mais coisas assim por aqui! (na medida do saudável, por favor XD) Já postei no Lado B, espero que todo mundo curta.
kissus

Tay disse...

Só eu sei o motivo do texto, ou mais alguém que comentou sabe? D:

Me surpreenda mais! ò_o *ligada com o texto* -q

ISA disse...

Os mais próximos devem saber o motivo do texto, mas o q me impressionou foi a medida. Fria e calculista. ADORO esta tua versão!!

Irmã coruja!!

Bia disse...

:O
QUE TEXTO MAISSSSSSS PROFUNDO, DIRETO, TOCANTE...
LUD LUD... TE CONHEÇO...RS RS
;*