quinta-feira, 30 de abril de 2009

Se chove lá fora...

...e eu aqui dentro.

Chuvas me são um sem-fim de coisas. Chuva é líquido. Chuva é imaterial. Chuva é o mundo lavando a alma. Chuva é terra molhada. Chuva é terra molhada demais... Chuva é terra molhada demais que acaba cedendo à força da gravidade e leva tudo ao chão: casas, vidas, famílias, sonhos. Chuva é um fenômeno meteorológico que consiste na precipitação de água no estado líquido sobre a superfície da Terra. Chuva é canção de ninar e música para os ouvidos. Chuva é sonho. Chuva também é pesadelo. Chuvas são minhas tempestades intrínsecas desaguando no mundo (alguém há de me perdoar por uma visão tão egocêntrica?). Chuva é de lágrima. Chuva é vontade de estar perto de alguém disfarçada em querer afugentar o frio. Chuva é frustração. Chuva é calor. Chuva é pretexto. Chuva é enterro de novela e adereço pruma cena de filme romântico.

A chuva de Ben Jor é ruim, porque molha seu amor. A chuva de Gal é de prata e é quase uma morte de tanta espera. A chuva de Demetrius, que não quer cessar, é a mesma chuva dos Cascades, que condena um tolo que perdeu seu amor, só que em versão lusófona. Marisa espera que a chuva diga.

A chuva é tão musical. A chuva é tão melancólica. A chuva é tão ela. A chuva cai lá fora.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Num dia de domingo...

Bah. Era sonho. Que injusto!
Entreabri os olhos sem a certeza de que horas seriam. Uma claridade tímida, quase uma carícia, adentrava o quarto pelas frestas da cortina fechada. Ainda perdida entre sonho e realidade, aborrecida pela interrupção das imagens maravilhosas com que minha mente me brindara aquela noite, julguei ser cedo demais e afofei o travesseiro sobre minha cabeça. Mas o sono recusou-se a vir novamente. Suspirei, amaldiçoando Morfeu e, apenas por curiosidade, consultei a hora no relógio do celular.
Nove da manhã.
Nove da manhã?
Impossível. Alguém avise ao sol que ele esqueceu-se de brilhar. Levantei-me e, apesar da minha cara de travesseiro, abri as cortinas, expondo meu rosto à vizinhança. Um cinza-chuva desolado coloria o céu. O céu de Domingo.
Domingos nunca contaram com meu apreço. O Domingo nada mais é que véspera da Segunda-Feira. E a Segunda, maldita, é apenas a ratificação de que a vida é o que é. De que tudo retorna à estaca zero. De que o CD acabou e temos que apertar o repeat se quisermos continuar a ouvi-lo. Definitivamente, meus domingos são melancólicos. E a chuva daquele em especial era apenas um apêndice. Oh, vida. Longo dia.
A TV aberta do Domingo. Programação fútil. A Internet no Domingo. Nenhum amigo online. Na certa, eles estão "dispersos pelo mundo". Todos os livros da prateleira eu já li, e mais de uma vez.
— Não poderia ser pior, não é?
NUNCA, JAMAIS, enuncie essa frase. O fantasma de Murphy pode estar à espreita, esperando pobres vítimas para aplicar sua lei, sua desgraçadamente verdadeira lei. E não é que o bandido lá estava? Ele sentiu o cheiro do meu desespero. A porta rangeu, e a figura que estampava um enorme sorriso serelepe no rosto conseguiu esticar ainda mais o ricto ao ver-me no sofá, numa expressão definitiva de derrota.
— Ah, olá! — ele disse.
— Alô, tédio, alô.

sábado, 4 de abril de 2009

Boas-vindas

Cheguei em casa. O dia estava à morte e o céu começava a tingir-se de noite e de estrelas. Abri a porta, e lá estava ela - a nova inquilina, indesejada, diga-se de passagem, da minha casa, da minha vida, sabe-se lá do que mais. Quando me viu, brotou-lhe no rosto um sorriso, amarelado feito folhas de papel abraçadas pelo tempo.
— Olá, querido. Estava à sua espera.
Suspirei.
— Sinta-se em casa. — falei, à guisa de resposta, embora tivesse certeza de que não era necessário. Quando ela vinha, tornava-se senhora de tudo, e eu não tinha forças, ou o direito, de protestar.
Ela abriu ainda mais o seu sorriso hepático.
— Já me sinto, querido. Aliás... Não sei por quê você me manda embora, se sabe que retorno depois. Você sabe que sou inevitável.
Evidências. Visíveis feito um muro de concreto. À falta de respostas, só me restou um outro suspiro, evocado da minha resignação. Essa mania de conformar-me tão facilmente por vezes me irrita. Bem que eu podia me revoltar, não é? Bem que eu podia mandar minha medonha companheira para lugares onde eu mesmo jamais gostaria de ser enviado...
Não, não poderia. Ela mesma disse, é inevitável. Ela se anuncia sempre que meu coração se parte. Vem, invade a minha vida, deita-se na minha cama, come da minha comida e faz de mim um insone até que presenças outras se cristalizem no seio da minha existência. Não era a sua primeira visita. Tampouco creio que a última. Na verdade, algo como uma intuição já me prevenira da sua chegada quando, na noite anterior, fechei os olhos e percebi que não havia ninguém em quem pensar.
Ela olhou-me com desejo. Não era desprovida de graça, porém, era bela apenas aos seus observadores. Para os fadados à sua companhia ela era, talvez, apenas cruel. Não nos é permitido contemplá-la com olhos tão críticos e superficiais.
Restou-me apenas ceder ao convite mudo de minha companheira dos próximos dias, talvez, meses. Nos enlaçamos como um só... E então pude me sentir, realmente, sozinho.