segunda-feira, 10 de maio de 2010

Querência

Às vezes, ele queria ser mar.

Ele queria ser mar quando as emoções ameaçavam transbordar em seu peito. Queria ser mar quando se sentia poluído de tal maneira que seu único desejo era engolir o mundo num só bocado. Queria ser mar quando as mágoas precisavam ser afogadas, quando as alegrias precisavam ser contidas e quando o desnecessário merecia ser deixado num barco à deriva, ao sabor das ondas. Queria navegar-se, dar-se o direito de ser só e seguir seu próprio rumo. Ele queria ser mar porque não cabia em si mesmo.

E então ele pensava em ser céu.

Pensava em ser céu e viver num estado de perpétua contemplação, livre de amarras, livre do mundo, um observador onisciente e quase mudo. Queria ser céu para emprestar ao mundo a luz do sol, para ser guardião da majestade dos astros e estrelas. Queria ser céu e ver se alguma alma solitária veria a beleza melancólica de uma noite de estrelas mortas; queria ser céu e abrigar o trono de Deus, e ser Dele um aliado, incapaz de pecar. Queria ser céu para fazer disparar a vergonha na face do mundo. Queria ser céu e derramar lágrimas de chuva por quem tem a alma ressequida; por quem precisa sepultar os defeitos; por quem simplesmente não enxerga a vida como uma dádiva e a oferece em cada beco imundo da cidade.

E ele queria ser canção; queria ser vento; queria ser chuva, queria...

Queria ser são. Era nesse momento que parava, baixava os olhos e se condenava por não transitar nos limites do possível. “Tolo. Tolo sonhador”, dizia. E seguia seu caminho, áspero de tão real. Mas um sorriso teimoso insinuava-se, tímido, em seus lábios.

Céu, mar, canção, vento, chuva... Ele era mesmo é Amor.