domingo, 15 de maio de 2011

Crônica do Inominável

E um dia novo vem nas entranhas deste céu alaranjado, um dia novo e um porvir.

Alguns de nós continuarão com sorrisos nos lábios e na alma, e farão amor como criança que descobriu coisa nova. Outros, acordarão com o pensamento longe, num sonho irrealizável ou na menina que os expulsou de casa a pontapés. E a menina pensará em seu vizinho bonito por algumas horas, e por outras, deixará a vida passar. Talvez venha a remoer por hora ou duas uma mágoa infundada, nada que seu coração irrequieto permita demorar-se.

Eu, bem desperta, sei o que me virá: um coração amargando o desfile na corda bamba, entre ser, não ser e estar, sem saber se o que sente é o que sente ou se muda conforme o sol assume seu posto.

São cinco da manhã e o sono não vem.

Vem-me antes o abismo das palavras não ditas, que sufocaram na língua antes que se materializassem no som. Vem-me a dúvida de saber suas conseqüências. Vem-me a ânsia de querer dizê-las quando já é tarde e não existe mais o que as motive.

Há um quê de trágico nas palavras ditas, não é? Uma vez expostas aos condutores auditivos do mundo, criam vida e tornam-se irrevogáveis, não se pode voltar atrás. E paira no ar a incerteza diante do que é definitivo. Arrependimentos, confirmações, coincidências, tiros no escuro.

Eu bem que podia dizer tantas coisas... Coisas que me preenchem a faringe e as falanges, que pedem, imploram para ser soltas, para concretizarem-se no plano real, mesmo que depois sejam dissolvidas pelo ar, pelos ouvidos, pelas mentes.

Mas é tarde, me atrasei. Fica aqui a eterna curiosidade, o eterno ‘e se’ envenenando minhas noites, essa cova aberta, essa interrogação a ser sepultada.

Quieta fico. Diante do insone, resta a madrugada e os pensamentos, mal-vindos ou não. Diante do intraduzível, resta o silêncio...



7 comentários:

Victor disse...

Tem um trânsito legal nesse texto, ele expande o estilo que você tem usado nos seus últimos textos sem que a mudança de tom cause um choque no leitor incauto hehehe. Boas experiências, Lud.

ISA disse...

Eu não consegui me identificar, mas sempre me apazigua tuas bem postas palavras...

Bjo!

Rafa disse...

Texto lindo e sutil... Parabéns, ficou suave e bem amarrado nos pequenos detalhes :)

Marco Fischer disse...

Esse pareceu mais intimista e solto do que os anteriores, como se escrito na mesma madrugada que o inspirou. Mas eu gosto dessa espontaneidade sincera.

nelson netto disse...

tô com o bardo nessa. ele está diferente dos anteriores não só na sutileza como no trato. porém, não menos bem escrito. [só a citação de falso soneto que achei meio cafona]

Nayara Borato disse...

Olá, desculpe invadir seu espaço assim sem avisar. Meu nome é Nayara e cheguei até vc através do Blog somesentido. Bom, tanta ousadia minha é para convidar vc pra seguir um blog do meu amigo Fabrício, que eu acho super interessante, a Narroterapia. Sabe como é, né? Quem escreve precisa de outro alguém do outro lado. Além disso, sinceramente gostei do seu comentário e do comentário de outras pessoas. A Narroterapia está se aprimorando, e com os comentários sinceros podemos nos nortear melhor. Divulgar não é tb nenhuma heresia, haja vista que no meio literário isso faz diferença na distribuição de um livro. Muitos autores divulgam seu trabalho até na televisão. Escrever é possível, divulgar é preciso! (rs) Dei uma linda no seu texto, vou continuar passando por aqui...rs





Narroterapia:

Uma terapia pra quem gosta de escrever. Assim é a narroterapia. São narrativas de fatos e sentimentos. Palavras sem nome, tímidas, nunca saíram de dentro, sempre morreram na garganta. Palavras com almas de puta que pelo menos enrubescem como as prostitutas de Doistoéviski, certamente um alívio para o pensamento, o mais arisco dos animais.



Espero que vc aceite meu convite e siga meu blog, será um prazer ver seu rosto ali.

http://narroterapia.blogspot.com/

crap disse...

"o eterno ‘e se’ envenenando minhas noites, essa cova aberta, essa interrogação a ser sepultada."

adoro essa temática, bem manuel bandeira, bem humana de viver a fazer perguntas sobre a vida que poderia ter sido e não foi.

só vi um defeito: " e farão amor como criança que descobriu coisa nova."

eu mudaria essa comparação porque fazer amor como criança é coisa de pedobear.