sábado, 23 de abril de 2011

Em suma

Você morre.

Triste é te ver ir-se assim, em silêncio. Seria melhor se você partisse sangrando, como eu mesma sangrei. Se tingisse de vermelho todo o caminho que fez questão de manter imaculado, com o cuidado de percorrer apagando as próprias pegadas após cada passo. Mas não – você emudece e morre.

Parece que nós dois nem fomos dois. Parece que nem te deixei cicatrizes, estas de que estou repleta. Parece que eu te fui um disfarce. Será que fui?

Me fere esse silêncio de sempre. Agride meus tímpanos, fermenta-se nos meus instintos. Eu queria te gritar, gritar. Te entregar todas as culpas que não pertencem a ninguém, sequer existem. Te rasgar a garganta com esse vazio que você me impõe e no qual me imerge. Mas você morre. Quieto, nulo, morre. Teu pulso não me pulsa mais. Teus dedos já não me tateiam. Você já não me retém o rosto na boca. Você morre.

Te imitando no silêncio, eu vou te deixar ir, sim. E nem precisa pagar a conta de luz, que não quero você aqui a cada lâmpada que eu acender. Já basta você nos lençóis, na garagem e no jardim. Já basta a sua morte, em mim.

Você tira a própria vida. Morre pra reviver n’outro lugar. Te enterrarei sem transigência. Sei que não cabem queixas onde não existiram promessas, mas mortes são assim – cavam esse oco amargo na alma e, antes de cura, o tempo se faz algoz. E você morre quieto. Sem saber que morre. Querendo, talvez, morrer.

Você morre e eu nem chorei.

13 comentários:

Anairamgui disse...

desculpa a prepotência...mas acho q eu escreveria isso rsrs... lindo... sentimentos pulsantes.

so tem um problema quando leio teus textos...eu fico pensando "puts, pq ela não escreve um atras do outro? vou ter q ficar esperando.." rsrs

Dália Monteiro disse...

Mermã, tu me humilha legal escrevendo (Y)' ficou fodão. E tipo, muita coisa daí, muita gente vai se identificar. Teus leitores vão adorar!

Mardem disse...

Daqui você já sabe.

Causa e efeito...

Heh.

Marco Fischer disse...

Cicatrizes com sangue se lavam e curam rápido, por mais profundas que sejam ainda estão expostas na superfície ao tempo.

Mas eu sei como são essas que não se sabem nem porque doem, mas apenas que doem. Porque essas não são cicatrizes, cherry. São pedaços inteiros que se soltam e caem, deixando essa agonia muda. E estou começando a acreditar que essas peças não se acham mais, apenas se pode colocar outra no lugar.

Karol Coêlho disse...

"Sei que não cabem queixas onde não existiram promessas, mas mortes são assim – cavam esse oco amargo na alma e, antes de cura, o tempo se faz algoz. E você morre quieto. Sem saber que morre. Querendo, talvez, morrer."

Dia desses eu morro lendo um texto seu...

*-*

Rafa disse...

Muito forte e direto, gostei... As vezes eu penso que você está exaurindo o estilo do blog, que devia variar mais, e textos como esse me provam que ainda tem muito a se explorar. Parabéns!

Anônimo disse...

Eu vou me arriscar a dizer que você se superou, novamente?
Sem dúvida, ou sombra alguma dela.
É engraçado, que eu pensei em algo que foi dito o exato e extremo oposto pela Rafa. Eu nunca pensei que você deveria fazer algo diferente disso que faz com maestria, falar de amor, e seus derivados, ou melhor tecer a dor através do amor. Mas hoje eu vi que você fez a coisa mais diferente que poderia ter feito (contráriando a Rafa novamente), pela primeira vez eu vi você translúcida, nua, de cara limpa, sem se esconder em nenhum personagem. Isso me assustou e apaixonou. É um campo perigoso, quilate, eu sei bem, mas você fez o que eu tanto queria falar, foi uma saída, e uma jogada, de mestre.
A Lud que eu li hoje, dificilmente será a corriqueira dos seus textos, mas foi a Lud que eu conheço desde uma vida, foi a minha, aquela menina frágil e forte, que me ensinou tanta coisa. E é essa Lud de hoje, que me faz de peito cheio GRITAR, esse foi o post mais diferente que vocÊ já fez, e isso o torna única no meu rol, ele não é o número um, ele é o número 0, ele vem muito antes do 1.

Amo vc.

nelson netto disse...

mais violento que o normal, mas bem bom. curtxi.

e a propósito:

desafio aceito.
o bagulho tá pronto. deu um tanto de trabalho, tem um detalhe me incomodando, mas acho que ficou legal.

ISA disse...

Não sei... talvez seu melhor texto, sua melhor expressão?

Amarga, forte, decidida. Gosto quando vc larga a donzela indefesa e parte em busca da mártir impiedosa. Porque é nisso que a gente se transforma cada vez que precisa enterrar defuntos.

Bjo,

Sua irmã orgulhosa.

crap disse...

"Sei que não cabem queixas onde não existiram promessas"

isso foi... foda.
sério mesmo. bonito.

curti o texto, ludão.
keep writing like jw keeps walking.

Anônimo disse...

a morte vem quando não esperamos.
é, é assim. sempre foi. sempre vai ser.

bom texto, moça.


até.
bjo, bjo, bjo...

Victor disse...

Vermelho: do início ao fim.

Anônimo disse...

Não sei, mas me fez lembra disso:

Resolvi me seguir
Seguindo-te.
A dois passos de mim
Me vi:
Molhada cara, matando-se.

Cravado de flechas claras
Ramo de luzes, de punhaladas
Te vi. Sangrando de morte rara:
A minha. Morrendo em ti.

(Hilda Hilst)