O sorriso dele não podia exibir maior satisfação. Acomodado sobre a desordem dos lençóis, ele a observava, apreciando a lentidão com que ela se vestia, sentada na cadeira em frente à cama. Percebendo o olhar dele, ela sorriu.
— Você fica linda nua, sabia? — ele disse, os braços displicentemente cruzados atrás da cabeça.
— É? — o sorriso dela se alargou. — Pareço pretensiosa ao dizer que sei disso? Porque você repete umas dez vezes sempre que nós...
Ela completou a frase com um arquear da sobrancelha direita que sabia que o agradava,
e muito. Subiu pelas pernas a calcinha rendada.
— De forma alguma. Parece ainda mais linda. E mais desejável. Ande, não vá agora.
— Ah, meu amor, é preciso. O tempo que passamos juntos foi maravilhoso. Sempre é maravilhoso. Mas quem chama é o Dever. E, junto dele...
Ele sentiu o sorriso vacilar enquanto a observava curvar-se e amarrar
a sandália na perna, impecavelmente lisa e esguia. Ela imprimiu às palavras um to
m e um sentido desconfortavelmente ambíguo e lânguido. Passado um minuto silencioso, em que ele apenas contemplou sua pequena beldade fechar, um a um, os ganchos do espartilho de
cetim e renda negra, o rapaz decidiu achar que era apenas impressão sua. Para disfarçar,
estendeu a mão até o aparador, escolheu sua mais cara garrafa de uísque, pegou o copo que repousava no criado-mudo e encheu-o. O gesto não passou despercebido a ela, que levantou-se, sorrindo.
— Sabe — ela começou, provocante — sempre fui uma moça muito... Romântica. Desde criança, decidi que ficaria pra sempre com alguém que me arrebatasse desde o primeiro olhar.
Ele sorveu a bebida num só gole e sorriu, presunçoso.
— Ah, é? Que me diz destes sonhos agora, bela? — respondeu, a voz empastada.
Enquanto vestia, com notável elegância, o vestido vermelho, cingido de botões do decote à barra, no meio de suas coxas, ela riu, um riso que misturava ironia e pena. Que ele também decidiu achar que eram frutos de sua imaginação. O que ele não notou, e não por decisão sua, mas por descuido, foi o pó branco no fundo de seu copo.
— Eles continuam de pé, Maurício. Por isso, quando eu cruzar aquela porta, não voltarei mais.
E, mais uma vez, ele decidiu achar que era brincadeira. E o sono que fazia suas pálpebras insuportavelmente pesadas, ele julgou fruto do cansaço – Simone era habilidosa.
— Ora, meu bem — ele replicou, entre um bocejo e outro — não seja boba. Estamos arrebatados um pelo outro. Um ano. Desde que nos conhecemos, no bar. Nunca mais nos separamos desde então. Você... Você disse que me ama.
— Sabe que mentir é fácil? — ela disse, num tom de voz levemente sádico. — Eu menti, Maurício, uma, duas, mil vezes. Menti quando te disse que te amava. Menti quando te disse que tinha muito dinheiro. Menti quando te disse que não queria o seu. Menti cada orgasmo. Menti. Sei muito bem alongar as pernas da mentira, sabe? Mas... — e ela ergueu a mão esquerda, a palma voltada para o seu rosto, de modo que ele pudesse ter uma boa visão do grande anel de brilhantes em seu anular. — As recompensas... Bem...
Subindo o zíper do vestido, ela apanhou a bolsa, abriu-a, retocou seu batom carmim e observou-o, dominado por um sono tão terrível que minava-lhe as forças.
— Você é ruim de cama, Maurício, ah, você é. — ela disse, antes de sair pela porta e trancá-la por fora.