Você morre.
Triste é te ver ir-se assim, em silêncio. Seria melhor se você partisse sangrando, como eu mesma sangrei. Se tingisse de vermelho todo o caminho que fez questão de manter imaculado, com o cuidado de percorrer apagando as próprias pegadas após cada passo. Mas não – você emudece e morre.
Parece que nós dois nem fomos dois. Parece que nem te deixei cicatrizes, estas de que estou repleta. Parece que eu te fui um disfarce. Será que fui?
Me fere esse silêncio de sempre. Agride meus tímpanos, fermenta-se nos meus instintos. Eu queria te gritar, gritar. Te entregar todas as culpas que não pertencem a ninguém, sequer existem. Te rasgar a garganta com esse vazio que você me impõe e no qual me imerge. Mas você morre. Quieto, nulo, morre. Teu pulso não me pulsa mais. Teus dedos já não me tateiam. Você já não me retém o rosto na boca. Você morre.
Te imitando no silêncio, eu vou te deixar ir, sim. E nem precisa pagar a conta de luz, que não quero você aqui a cada lâmpada que eu acender. Já basta você nos lençóis, na garagem e no jardim. Já basta a sua morte, em mim.
Você tira a própria vida. Morre pra reviver n’outro lugar. Te enterrarei sem transigência. Sei que não cabem queixas onde não existiram promessas, mas mortes são assim – cavam esse oco amargo na alma e, antes de cura, o tempo se faz algoz. E você morre quieto. Sem saber que morre. Querendo, talvez, morrer.
Você morre e eu nem chorei.