Os braços abertos, ela tentava equilibrar-se no muro baixo, rente à areia do mar. O vento era forte e os cabelos chicoteavam-lhe o rosto. Ele, mais alto, acompanhava-a, um pouco atrás, para ampará-la caso ela trocasse os passos – coisa que ele estava absolutamente certo de que aconteceria logo.
— Você não confia em mim mesmo — ela disse, já perto do fim do muro.
— Claro que não! — ele respondeu para as costas dela, um maldoso sorriso nos lábios — Com esse cerebelo desregulado que você tem, como eu poderia confiar?
Ela virou-se para olhá-lo, numa expressão cômica de tão indignada e, ao fazê-lo, desequilibrou-se e caiu na areia.
— Heh! Eu disse! — ele gargalhou, estendendo a mão para ela. — Que confiança você quer merecer, desse jeito?
Ela deu de ombros e, apoiando-se nele, içou-se para cima do muro novamente. Mostrou-lhe a língua antes de prosseguir em seu intento, bambeando ligeiramente.
— Que eterna criança que você é... — ele cruzou os braços, ainda atrás dela.
— No momento em que você quiser a adulta ranzinza, é só pedir — ela respondeu, sem olhar pra trás, uma nota de irritação na voz.
— Ei... Você ficou chateada?
— ...
— Ei, ei, eu não estou reclamando nem nada assim.
Ela virou-se para ele mais uma vez, contrariada.
— Ah, não? — ela replicou, entredentes, com um ar de pueril exasperação. Que ele achava bonitinho, por sinal.
— Claro que não! Se você fosse uma adulta ranzinza, com certeza não estaríamos aqui hoje. — respondeu o rapaz, rindo, estendendo a mão mais uma vez.
— Não, não. Não quero sua mão agora. Vamos fazer assim: você se afasta. Não fica atrás de mim. Vamos ver se eu não consigo cruzar esse muro de ponta a ponta?
Diante da obstinação dela, ele riu mais uma vez.
— Okay... Você é quem manda, moça corajosa.
O rapaz afastou-se, indo recostar-se a uma árvore próxima. Ela respirou fundo e abriu os braços. Ele a viu atravessar o muro uma, duas, três vezes, e riu-se da expressão compenetrada e obstinada da moça. Tão boba ela, tentando provar que podia!
— Viu? — ela gritou, sorridente, já na quarta travessia. — Sequer vacilei. Quem é que não merece confiança agora?
— Você, besta. Por perder seu tempo me provando uma bobagem dessas — ele respondeu, os olhos claros faiscando de malícia.
— Seu f...!!!
Ele gargalhou. Ela sorriu, contrariada, e correu até ele.
— A sua cara nessas horas é impagável... Você devia ver, é sério — ele disse, tentando desviar-se dos tapas da moça.
— Você não presta, criatura. Não presta, de verdade.
— Eu digo que sou mau... Você que não acredita em mim.
— Na-não. — ela balançou o indicador, marota. — Você finge que é. Porque uma pessoa má não acudiria uma moça pseudo-embriagada numa noite de réveillon... Não cederia a camisa branca para ela sentar no chão... Não seguraria as mãos geladas dela, enquanto ela se refaz de uma única taça de champanhe...
— Que espécie de homem você acha que eu sou, pra recusar oferecer apoio a uma donzela em perigo? — ele respondeu, emburrado. — Fora que eu não fui o único. Você ganhou massagem nos pés e uma fatia de bolo de chocolate, e não fui eu o gentleman que fez isso.
— É, eu sei. Vocês todos foram ótimos naquela noite, nunca me esqueci... Mas... Um homem mau também não ficaria vermelho ao ouvir isso! — ela riu, apertando-lhe as bochechas.
— Oras...
— Eu sou a razão da sua insônia. Isso é uma prova definitiva de que você não é mau.
— Mocinha — ele cutucou-a na cintura — eu não tenho culpa se você não tem um pingo de juízo e oferece seu coração aos quatro ventos. Quase sempre, cai nas mãos erradas... E quando não cai, fica aí, torturada por amores não correspondidos. Então, o que me resta? Cuidar de você. Pra evitar que você faça besteira. Ou te consolar, quando a besteira acontece.
Ela o abraçou, radiante, e afastou-se com um sorriso de ponta a ponta.
— Você tem feito isso bem. Muuuuuuuito bem.
— Heh...
— E pra que você não deixe de fazer... — ela correu para o muro, mais uma vez — vou te dar cada vez mais razões pra cuidar de mim!
— Ah, minha úlcera...
(A você, que sofre de úlcera há dois anos por causa de uma mocinha serelepe...)