quinta-feira, 30 de julho de 2009

Conto de fadas de um amor virtual

— Sabe que eu não pensei que você fosse assim tão alta?
— Alta? Eu não sou alta.
— É mais alta do que eu previa. E mais bonita, também. Mas o seu sorriso é do jeitinho que eu imaginava.
— Como?
— Sincero.
— Você adivinhou meu sorriso?
— Sim. E adivinhei que você ficaria vermelha se eu te dissesse isso.
— Puxa, eu sou tão previsível assim?
— Talvez porque eu te imaginei durante muito tempo, não? Talvez seja por isso.
Apesar do frio e do vento, eles tomavam sorvete, enquanto caminhavam pela orla. Ela, corada, mantinha o olhar no horizonte acinzentado, observando o quebrar das ondas. Ele mantinha os olhos nela.
Em algum dia no tempo haviam sido um casal. Mas isso era quando milhas e milhas e uma tela de plasma os separavam. Quando, entre tantos conterrâneos, o coração da jovem elegeu esse desconhecido cuja existência ela não saberia, não fosse a internet. Quando, sorte ou azar, ele também a escolheu, além de cabos e conexões e fibra ótica.
Mas o tempo não lhes foi benevolente. A Vida reclamou sua aprendiz – ela, uma adolescente sem muita experiência, que odiava dizer adeus, mas tinha, à porta, milhares de novos sentimentos chamando-a a conhecê-los. Ela não podia ignorá-los. Ele, por ser mais velho, algumas ex-namoradas no currículo, entendeu, achou justo. À sua pequena – era assim que ele a chamava – disse: “você merece alguém que te ame muito, e bem de perto. E que goste tanto do teu sorriso quanto eu”. Ela, triste, aquiesceu.
À época, tempo e distância disseram não. E tudo seguiu seu curso. Garotas e garotos depois, quando nenhum dos dois desavisados esperava o sorriso do acaso, eis que as circunstâncias consentiram. E ela viajou para longe. E encontrou-o.
Ela só conseguia pensar na ironia do destino – ou em seu hábito peculiar de escrever nas entrelinhas. Agora ele pertencia a outra, e ela, que desde seu último relacionamento recusava-se a deixar qualquer sentimento assumir grandes proporções, encontrava-se cercada por um muro de reservas e auto-proteção. De perto, ele era mais bonito e mais hipnótico do que ela supunha. Por fotografias ele não parecia tão magnético.
Eles não passaram mais que algumas horas juntos. Ela voltaria aos amigos; ele voltaria à amada. Mas nem por isso impediram-se de, discretamente, analisarem-se mutuamente. Ela notou a segurança do rapaz e seu empenho em fazê-la sentir-se segura também. Notou o sorriso terno com que ele a encarava. Ele, por sua vez, notou que ela baixava os olhos sempre que ele lhe sorria. Quis tranquilizá-la, mas a timidez dela era tão... O meio-sorriso da garota combinava tão bem com o rubor em seu rosto!
Fosse este um conto de fadas, eles teriam se rendido ao momento e ficariam juntos, ainda que por um dia. Mesmo sob o risco triste e doce da saudade, mesmo configurando o crime de traição. Mas esta é uma história virtual. Após um longo abraço, eles seguiram rumos opostos. Sem tristeza.
Com a jovem, ficou a gratidão. Talvez ele fosse o único a quem ela era encantadora, simplesmente por ser. Isso bastava aos dois.
— Te vejo online!
— Pode apostar que sim.
:)

sábado, 25 de julho de 2009

Carta de amor de uma cética

"Sabe,
Nós não fomos, nem de longe, feitos um para o outro. Nunca vi um par tão ímpar; água e vinho, noite e dia. Aos que me vêm com a velha máxima de 'os opostos se atraem', eu rebato com um veemente 'não creio em fórmulas prontas'. Não... A explicação não pode ser tão banal, meu caro.
Eu sempre estive com caras que julguei legais por dividirem comigo gostos, trejeitos, manias e creio que eles também me supunham legal por isso. Ah, os inícios eram lindos! Dignos de roteiro cinematográfico, mesmo. Cada ponto em comum descoberto era celebrado com um sorriso e um arregalar de olhos: 'puxa, como combinamos!'. Mas, com o tempo, tudo isso tornava-se monótono. O antigo olhar de surpresa dava lugar ao tedioso olhar de 'surpreenda-me, pelo amor de Deus'. Eu cansava de amar meus espelhos. E eles cansavam de mim. Parti o coração de uns dois quando fugi antes que eles se fartassem, também uns dois me partiram o coração, mas em geral era cansaço mútuo. Afinal, que egocentrismo amar sua própria imagem, não?
E aí me surge você. Devo confessar que, à priori, não fui muito com a sua cara. Te achei meu avesso demais, se é que você me entende. Aliás, não fosse aquela bendita aguardente, meu bem, não sei se teríamos passado de educados 'oi, olá, como vai' que a obrigação de estar num ciclo de amigos em comum criou. Eis que por acidente eu provei tua outra metade, o meu completo oposto.
Quem me bombardeia com o papo de 'ah, ele te completa' conta com meu imediato asco. Não. Ninguém me completa, não a mim, uma escorpiniana amante do amor-próprio. Eu aprendi a me bastar. A vida me ensinou. Não. Sou mais adepta ao 'oposto complementar'.
Você veio e me pôs numa montanha-russa, onde, constantemente, eu sinto o arrepio de não saber o que vem depois. Você foge feito um condenado de qualquer coisa que comece a vestir-se de rotina. E eu, sempre tão prática, sempre tão metódica, acho graça nisso. Sobra em mim a calma que te falta. Falta em mim o carisma que te sobra. Talvez por isso eu me sinta tão bem. Talvez por isso eu te peça cinco minutos sempre que você tem que ir. Talvez por isso insinue-se na minha vontade um 'eu te amo' que eu preciso verbalizar.

Eu te amo".