Alice amou, amou muita gente. E a cada vez que Alice amava, eu a
via padecer no chão com as mesmas lágrimas de desgosto a manchar-lhe o rosto e
o olhar áspero de quem prometia a si mesma jamais se entregar àquelas emoções
novamente. Mas ela tinha memória curta, feliz ou infelizmente, e outra vez, e
mais outra, e mais outra, eu a vi sangrar até a última gota de sangue do corpo
por quem não lhe amava de volta.
Sim, Alice era dotada dessa grande capacidade de amar e de nenhuma
capacidade de discernir. Amava, amava, amava, relegava ao próprio futuro o
porvir... E odiava a si mesma no fim, por todo o descomedimento, por toda a
ânsia de liberar o mundo que guardava em si, pela falta de talento em fazer
boas escolhas.
E eu, na penumbra, aguardava pacientemente minha vez.
Porque ela os amava todos, mas não amava a mim. Ela amava mesmo
aos que não a queriam, por mais que ela insistisse; aos que a ignoravam mesmo
quando ela expunha suas faces mais secretas e mais lascivas.
Sou teu, Alice, mesmo que não queiras.
Mesmo que despedaces minhas rosas murchas
E que escarneças do meu não-amor.
Sou teu, Alice, se tu quiseres,
e se não queres, sou teu ainda.
Eu queria que ela me visse, me notasse, que me olhasse. Alice,
quando e se me olhava, sorria com todos os dentes e me envolvia num aperto sem
desejo, dizia na voz branda tudo o que eu não queria ouvir. E ainda assim, eu
esperei.
Sou teu, Alice, na voz cansada,
Nos meus bons modos, sorriso aberto
E nos meus sonhos, normais que sejam
Que em vão te beijam enquanto somes.
Sou teu, Alice, se tu quiseres,
E se não queres, sou teu ainda.
Não sei o porquê de esperá-la, não sei o que a tornava mais que as
outras. Alice era como todas elas e era mais, era uma força da natureza, que
não se sabia se partia ou se chegava, se ficava ou se ia embora. Alice nunca
era certeza e possuía aquela aura instigante das incertezas que me fazia
esperar. E esperar.
Sou teu, Alice, que não me amas
Sou teu, Alice, e de outras tantas
Que a mim não querem, que sou mais um
A teu exemplo, Alice minha
Que não é minha, de modo algum.
E um dia ela me olhou. Também não sei como, também não sei por
quê. Nessa história eu sou bom em não saber. Ela me olhou e eu captei um
lampejo do que sempre quis ver estampado nos olhos dela. Ela disfarçava,
sorria, empurrava o olhar pra longe, desviava o assunto por tangentes e
secantes. Mas era minha deixa. Eu não perderia aquele sorriso.
Alice, enfim, cedeu. Era noite ou dia, cerveja ou vinho, um bar ou
bistrô? Ela foi suave ao toque. Desmanchou-se sob minhas mãos, e riu um riso
solto sob meus lábios, e era tudo maior e mais intenso do que sequer pude
imaginar. Ela tinha gosto e cheiro, cantava e gemia, às vezes, permanecia muda
sob mim, tentando sincronizar sua respiração com a minha.
Eu a quis de tantos jeitos que ela me quis também. E aí eu senti a
verdadeira força do mundo que ela carregava atado às costas e não tinha medo de
oferecer. Um infinito particular desses, onde é possível se perder se não
vigiamos os passos. Era tentador, mas era aterrador. Confesso – me acovardei. E
tive dela aquele mesmo olhar áspero e o mesmo sangue no chão, que ela tentou
conter. Não chorava. Não sei se por esforço. Apenas fechou os olhos e indicou
com a mão que eu fosse embora.
— Você não merece
nada.
— E você merece tudo.
— Contudo, nada foi
o que tive.
— E eu tive mais do
que pedi.
Desculpe, Alice, o seu amor é doce demais.