E um dia novo vem nas entranhas deste céu alaranjado, um dia novo e um porvir.
Alguns de nós continuarão com sorrisos nos lábios e na alma, e farão amor como criança que descobriu coisa nova. Outros, acordarão com o pensamento longe, num sonho irrealizável ou na menina que os expulsou de casa a pontapés. E a menina pensará em seu vizinho bonito por algumas horas, e por outras, deixará a vida passar. Talvez venha a remoer por hora ou duas uma mágoa infundada, nada que seu coração irrequieto permita demorar-se.
Eu, bem desperta, sei o que me virá: um coração amargando o desfile na corda bamba, entre ser, não ser e estar, sem saber se o que sente é o que sente ou se muda conforme o sol assume seu posto.
São cinco da manhã e o sono não vem.
Vem-me antes o abismo das palavras não ditas, que sufocaram na língua antes que se materializassem no som. Vem-me a dúvida de saber suas conseqüências. Vem-me a ânsia de querer dizê-las quando já é tarde e não existe mais o que as motive.
Há um quê de trágico nas palavras ditas, não é? Uma vez expostas aos condutores auditivos do mundo, criam vida e tornam-se irrevogáveis, não se pode voltar atrás. E paira no ar a incerteza diante do que é definitivo. Arrependimentos, confirmações, coincidências, tiros no escuro.
Eu bem que podia dizer tantas coisas... Coisas que me preenchem a faringe e as falanges, que pedem, imploram para ser soltas, para concretizarem-se no plano real, mesmo que depois sejam dissolvidas pelo ar, pelos ouvidos, pelas mentes.
Mas é tarde, me atrasei. Fica aqui a eterna curiosidade, o eterno ‘e se’ envenenando minhas noites, essa cova aberta, essa interrogação a ser sepultada.
Quieta fico. Diante do insone, resta a madrugada e os pensamentos, mal-vindos ou não. Diante do intraduzível, resta o silêncio...